Texto do mestrado em Visão Territorial e Sustentável do Desenvolvimento.
O propósito desse documento é
trazer uma reflexão acerca das crescentes “denominações” do desenvolvimento. Um
breve esforço histórico da aparição do conceito de desenvolvimento e se
apresenta o processo de subjetivização crescente nas definições do mesmo. Se
examinam os diversos adjetivos: territorial, regional, local endógeno,
descentralizado, o “top-down”, capilar, etc. Depois se aponta a lógica da
dinâmica inicial da primeira fase do desenvolvimento, que é sempre territorial,
podendo, sem embargo, dar um passo em seguida a uma lógica funcional, outra
coisa comum, mas não inexorável.
A economia clássica (Smith, Ricardo
e Marx) fez do crescimento econômico seu tema central e a na economia
neoclássica (Marshall, Walras, Pareto, Pigou) se focou mais distribuição desse
crescimento como seu tema central. O conceito de desenvolvimento tem suas
raízes mais na economia neoclássica que na clássica.
O conceito de desenvolvimento é um
tópico do pós-guerra e um tópico das Nações Unidas. Na Carta do Atlântico
(1941), firmada por Churchill e Roosevelt, expressa-se que o único fundamento
certo da paz reside em que todos os homens livres podem desfrutar de segurança
econômica e social.
“O desenvolvimento econômico é um
processo continuado cujo mecanismo essencial consiste na aplicação reiterada do
excedente em novas inversões, e que tem como resultado a expansão também incessante
da unidade produtiva que se trata. Essa unidade pode ser até uma sociedade
inteira.” (Echeverria).
Durante duas décadas o
desenvolvimento continuou sendo quase um sinônimo de crescimento e o PIB
agregado e sobretudo, o PIB per capta, foi a medida corrente do nível de
desenvolvimento. Isto contribuiu a consolidar o domínio profissional dos
economistas no tema de desenvolvimento, algo que gerou um ciclo virtuoso de
reducionismo econômico, que pouco ajudou a entender a verdadeira natureza do
fenômeno e a desenhar formas eficazes de intervenção promotora.
O economista britânico Dudley Seers
(1970) provocou no final dos anos sessenta uma verdadeira revolução em matéria
de desenvolvimento com seu conhecido artigo acerca do significado de
desenvolvimento.
Segundo Seers, o ponto de partida
de uma discussão acerca do desenvolvimento é reconhecer que “desenvolvimento” é
um conceito normativo, livre de juízos de valor.
Seers, fortemente inspirado no
pensamento de Gandhi, sustenta que devemos perguntar a nós mesmos acerca das
condições necessárias para a realização do potencial da personalidade humana,
algo comumente aceito como objetivo. A partir desta pergunta, Seers, aponta a
alimentação, como uma necessidade absoluta. Uma segunda condição básica para o
desenvolvimento pessoal é o emprego, e a terceira é a igualdade entendida como
equilíbrio.
“A questão para ser perguntada
sobre o desenvolvimento de um país é a seguinte: o que tem acontecido com a pobreza?
O que tem acontecido com o desemprego? O que tem acontecido com a desigualdade?
Se todas as três declinaram de altos níveis, então se têm um período de
desenvolvimento ao referente país.”
Seria necessário esperar outras
décadas para que o PNUD, inspirado particularmente nas ideias de Amartya Sen,
introduzisse uma nova concepção e uma nova forma de medir o desenvolvimento
através do conceito de um Índice de Desenvolvimento Humano.
“O desenvolvimento humano pode se
descobrir como um processo de ampliação das opções das pessoas… Mas apesar das
necessidades, as pessoas valorizam demais benefícios que são menos materiais.
Entre eles figuram, por exemplo, a liberdade de movimento e de expressão e a
ausência de opressão, violência e de exploração. As pessoas querem demais ter
um sentido de propósito na vida, além de um sentido de potencialização. Entre
os membros de famílias e comunidades, as pessoas valorizam a coesão social e o
direito de afirmar suas tradições e cultura própria.”
(...) reúne-se apenas três
componentes de Desenvolvimento Humano: qualidade de vida, longevidade e nível
de conhecimento.
No caso da saúde, se mede a
esperança de vida ao nascer. Na área de educação atualmente se usa como variável
a média de anos de escolaridade de pessoas de mais de 25 anos. Finalmente o
Índice considera a disponibilidade de recursos econômicos medida a partir do
poder aquisitivo sobre a base do PIB per capta ajustado pelo custo de vida.
Em meados dos anos noventa, o Secretário
Geral da ONU define cinco dimensões de desenvolvimento, levando definitivamente
este conceito ao plano tangível e abrindo então a porta a profissionais
provenientes de disciplinas distintas da economia em seu trabalho sobre
desenvolvimento. Sociólogos, cientistas políticos, psicólogos, historiadores,
ecologistas, antropólogos e profissionais da cultura encontram agora novos
espaços de trabalho. A inter e multidisciplinariedade começam a abrir caminho.
As dimensões introduzidas por
Boutros-Gali são:
1)
Paz como a fundação.
2)
A economia como motor do progresso.
3)
O ambiente como a base da sustentabilidade.
4)
Justiça como o pilhar da sociedade.
5)
Democracia como boa governança.
Falando sobre subjetividade social
e desenvolvimento humano, Guell (1998) afirma com muita segurança que:
“Um desenvolvimento que não promove
e fortalece confianças, reconhecimentos e sentidos coletivos, carece em curto
prazo de uma sociedade que o sustente. Então a viabilidade de êxito de um
programa de desenvolvimento dependerá do grau em que as pessoas percebem esse
programa como um cenário em que sua subjetividade coletiva é reconhecida e
fortalecida.”
O desenvolvimento é a utopia social
por excelência. Em um sentido metafórico é um paraíso perdido da humanidade,
nunca alcançado nem recuperado devido a sua natureza assintótica de realização.
Na prática, é um breve reconto da sua história mais contemporânea assim como se
prova, cada vez que um grupo social se aproxima de sua própria ideia de estado
de desenvolvimento, imediatamente suas metas são quantitativas ou qualitativas.
Assim se assiste a uma verdadeira
proliferação de “desenvolvimentos”: territorial, regional, local, endógeno,
sustentável, humano e, em termos de dinâmica, desenvolvimento de “bottom up” e
outros mais. Inclusive se observa no mais puro estilo cartesiano, a
especialização funcional de instituições acadêmicas e políticas, umas ocupadas
desta ou de outra categoria, como se fossem independentes.
1 - Desenvolvimento territorial. A mais ampla concepção de
desenvolvimento é a de desenvolvimento territorial. Aqui se trata de um
conceito associado à ideia de continente e conteúdo.
Assim, a expressão “desenvolvimento
territorial” se refere a escala geográfica de um processo e não a sua
substância. É uma escala contínua, em que se é possível reconhecer os seguintes
cortes: mundo, continente, país, região, estado ou província ou departamento,
comum, e em certos casos, bairros ou outras categorias menores.
2 - Desenvolvimento regional. O desenvolvimento regional consiste em um
processo de câmbio estrutural localizado que se associa a um permanente
processo de progresso da própria região, da comunidade ou sociedade em que se
habita e cada indivíduo membro da comunidade e habitante de tal território.
Observa-se a complementariedade desta definição ao combinar três dimensões: uma
dimensão espacial, uma dimensão social e uma dimensão individual.
O que é uma região?
Região é um território organizado
que contém, em termos reais ou em termos potenciais, os fatores de seu próprio
desenvolvimento, com total independência de escala.
3 - Desenvolvimento local.
Buarque (1999; 23/25) é um dos
especialistas que se atreve a definir o desenvolvimento local. Algumas de suas
proposições são as seguintes:
“Desenvolvimento
local é um processo endógeno registrado em pequenas unidades territoriais e
agrupamentos humanos capaz de promover o dinamismo econômico e a melhoria da
qualidade de vida da população.”
O conceito genérico de
desenvolvimento local pode ser aplicado para diferentes cortes territoriais e
aglomerados humanos de pequena escala, desde a comunidade (...) até o município
ou mesmo microrregiões homogêneas de porte reduzido.
“O desenvolvimento local dentro da
globalização é uma resultante direta da capacidade dos atores e da sociedade
locais se estruturarem e se mobilizarem, com base nas suas potencialidades e na
sua matriz cultural, para definir e explorar suas prioridades e
especificidades, buscando a competitividade num contexto de rápidas e profundas
transformações.”
Borja e Castells (1997) indicam que
o global e o local são complementares.
Qual é a diferença entre o local e
regional? A diferença entre os dois conceitos reside em uma dupla questão
escalar. Trata-se de uma escala territorial e uma escala funcional.
Outra importante diferenciação
entre o local e o regional reside na importância relativa dos atores
individuais e corporativos (ou institucionais) em ambos os casos. Se espera,
razoavelmente, que um território “local” seja um território proxêmico no qual
as relações interpessoais, os contatos “cara a cara” e as tradições familiares
e sociais sejam de maior importância que as relações impessoais mediadas por
instituições e que as tradições sejam menos importantes que o quadro jurídico.
Desenvolvimento endógeno.
O desenvolvimento deve ser
considerado como mais endógeno, devido a sua estreita associação com a cultura
local e com os valores que ela inclui.
Mais preciso é Boisier (1993), que
argumenta que “A endogeneidade do
desenvolvimento regional deve ser entendida como um fenômeno que se apresenta
em pelo menos quatro planos que se cortam, se cruzam entre si.”
Primeiro, a endogeneidade se refere
ou se manifesta no plano político, no
qual se identifica como uma crescente capacidade regional para tomar as
decisões relevantes em relação a diferentes opções de desenvolvimento,
diferentes estilos de desenvolvimento e em relação ao uso de instrumentos
correspondentes, ou seja, a capacidade de desenhar e executar políticas de
desenvolvimento, e sobretudo, a capacidade de negociar.
Em segundo lugar, a endogeneidade
se manifesta no plano econômico, e se
refere, neste caso, à apropriação e reinvestimento regional de parte do
excedente a fim de diversificar a economia regional, dando ao mesmo tempo uma
base permanente de sustentação ao longo prazo.
Em terceiro lugar, a endogeneidade
é também interpretada no plano científico
e tecnológico. Em quarto lugar, a endogeneidade se planta no plano da cultura, como uma espécie de
matriz geradora da identidade sócio territorial.
Desenvolvimento descentralizado.
Deve-se dizer, para começar, que a
descentralização é um conceito que se implanta em três dimensões: a funcional,
a territorial e a política. Em qualquer caso, descentralizar sempre implica em
uma redistribuição de poder e normalmente significa criar instituições que tem
como características básicas contar com uma personalidade jurídica independente
de outras figuras jurídicas (como o Estado), com recursos ou orçamento próprios
e com normas de funcionamento próprias.
A descentralização funcional leva à
criação de organizações com as propriedades citadas no parágrafo anterior, mas
com competências restritas a uma determinada atividade ou setor (como por
exemplo, um Banco Estatal de Pecuária). A descentralização territorial também
implica na criação ou reconhecimento de entidades com, novamente, as
características mencionadas, porém com suas múltiplas competências restritas a
um âmbito geográfico determinado (como é o caso dos atuais Governos Regionais
no Chile). Finalmente, a descentralização política acrescenta o requisito de
geração das competências através de eleições políticas democráticas (livres,
secretas e informadas), como seria o caso dos governos autônomos das
comunidades espanholas.
O desenvolvimento descentralizado
supõe a configuração do território em questão como um sujeito coletivo com
capacidade para construir seu próprio futuro. Sem dúvida, não é o território
como recorte geográfico que pode operar como sujeito, e sim a comunidade que
habita esse território na medida em que ela mesma se alimenta do regionalismo
(regionalismo: um sentimento de identificação e pertencimento a um território,
que é permanente no tempo e que permite suprimir interesses particulares em um
interesse coletivo e que gera uma cultura de características particulares, que
unifica o que há dentro e separa e distingue o que há fora) e na medida em que
é capaz de dar a si mesma um projeto acordado de futuro comum para acomodar a
diversidade.
Desenvolvimento de baixo para cima (bottom-up)
Neste contexto, os autores definem
os seguintes elementos como componentes essenciais de estratégias de
desenvolvimento “desde abajo”:
1)
O estabelecimento de um amplo acesso à terra e a outros
recursos naturais do território, como fatores chaves de produção na maioria das
áreas menos desenvolvidas do mundo;
2)
A introdução de novas estruturas de decisão organizadas
territorialmente (ou a redefinição de antigas estruturas) para garantir a
equidade na comunidade;
3)
A concessão de um nível mais elevado de autodeterminação
às áreas rurais assim como a outras áreas periféricas para gerar uma
instituição própria;
4)
A escolha de uma tecnologia “regionalmente adequada”
orientada a economizar recursos escassos e a maximizar o uso dos recursos
abundantes;
5)
Prioridade aos projetos que satisfazem necessidades
básicas da população;
6)
Introdução de políticas de preços nacionais que
favoreçam os termos de intercâmbio das regiões periféricas;
7)
Ajuda externa admissível como compensação dos efeitos
de erosão causada por dependências prévias;
8)
O desenvolvimento de atividades produtivas que excedam
a demanda regional somente se elas conduzem a uma ampla melhoria das condições
de vida da população;
9)
Reestruturação dos sistemas de transporte e do sistema
urbano para melhorar e deixar mais equitativo o acesso da população em todo o
território;
10) Melhoria do transporte e das comunicações
rural-rural e rural-aldeia;
11) Estruturas sociais igualitárias e consciência
coletiva são, de acordo com os autores, elementos importantes para uma
estratégia “de baixo para cima”.
Efetivamente, o crescimento
econômico foi regulamentado por uma lógica funcional, a partir, ao que parece,
da Revolução Industrial. Uma lógica que fez do setor industrial o setor motor
do crescimento e, como toda vez que se escolhe um setor motor para estabelecer
o crescimento, se faz necessário “ordenar” o espaço em que naturalmente tal
setor se desenvolve.
Desde o ponto de vista do desenvolvimento,
a dinâmica territorial tem sido completamente diferente, embora querer separar
absolutamente ambos os processos seja um erro.
O ponto de partida está em
reconhecer que o desenvolvimento - tal como se entende hoje em dia, não como
sempre foi - é um processo que, requerendo uma base material, não oculta a sua
natureza intangível, como se discutiu inicialmente. Tem-se argumentado que
tais capitais intangíveis devem ser articulados, potencializados e direcionados
por uma forma ainda mais elevada de capital intangível: o capital sinérgico
latente existente em quase toda comunidade e definido como um potencial
catalítico da sociedade, que permite promover ações em conjunto dirigidas a
fins coletivos e democraticamente escolhidos com o conhecido resultado de obter
, assim, um resultado final que é maior que a soma dos componentes.
Argumenta-se também - e este é um ponto crucial - que tais capitais intangíveis
e em particular, o capital sinérgico, se encontram mais facilmente em espaços
sociais e territoriais pequenos, de natureza proxêmica, em que os contatos cara
a cara, os costumes e as tradições são muito importantes.
Se estas proposições são corretas,
então o desenvolvimento começa por ser um fenômeno local, de pequena escala, e certamente endógeno. Porém, para poder ser implantado como um processo
endógeno já se sabe que se requer adquirir previamente a qualidade de descentralizado.
Então, a partir desse momento e
desse ponto, o desenvolvimento começa a se expandir desde baixo, para cima e para os lados de acordo com um processo
de capilaridade.
Vázquez-Barquero:
“A
conclusão final é que ao menos durante a fase inicial do longo ciclo de
expansão territorial dos processos de crescimento e desenvolvimento, o
crescimento pode ser induzido desde cima e também desde baixo, porém o
desenvolvimento se mostrará sempre como um processo local, endógeno,
descentralizado, capilar e contínuo ou descontínuo sobre o território. Afinal
de contas, os adjetivos de desenvolvimento são redundantes e tautológicos, já
que só dizem o que o próprio conceito de desenvolvimento diz. São, no melhor
dos casos, copulativos e não disjuntivos.
Não
convém colocar expectativas superdimensionadas no desenvolvimento local;
questões técnicas de escala e de complexidade podem funcionar como fortes
“barreiras de entrada” ao desenvolvimento e insistir em operar com essa escala
pode deixar a população (o sujeito, afinal) em uma espécie de limbo de
desenvolvimento, entre o nada e o nada. Em matéria de desenvolvimento
territorial, devemos aderir à Lei da Necessária Variedade de Ashby: níveis
distintos de complexidade requerem escalas distintas e homólogas de intervenção.”
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