segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Desenvolvimento (Local): Do que estamos falando? Sergio Boisier_Versão reumida e traduzida.


Texto do mestrado em Visão Territorial e Sustentável do Desenvolvimento.

O propósito desse documento é trazer uma reflexão acerca das crescentes “denominações” do desenvolvimento. Um breve esforço histórico da aparição do conceito de desenvolvimento e se apresenta o processo de subjetivização crescente nas definições do mesmo. Se examinam os diversos adjetivos: territorial, regional, local endógeno, descentralizado, o “top-down”, capilar, etc. Depois se aponta a lógica da dinâmica inicial da primeira fase do desenvolvimento, que é sempre territorial, podendo, sem embargo, dar um passo em seguida a uma lógica funcional, outra coisa comum, mas não inexorável.

A economia clássica (Smith, Ricardo e Marx) fez do crescimento econômico seu tema central e a na economia neoclássica (Marshall, Walras, Pareto, Pigou) se focou mais distribuição desse crescimento como seu tema central. O conceito de desenvolvimento tem suas raízes mais na economia neoclássica que na clássica.

O conceito de desenvolvimento é um tópico do pós-guerra e um tópico das Nações Unidas. Na Carta do Atlântico (1941), firmada por Churchill e Roosevelt, expressa-se que o único fundamento certo da paz reside em que todos os homens livres podem desfrutar de segurança econômica e social.

“O desenvolvimento econômico é um processo continuado cujo mecanismo essencial consiste na aplicação reiterada do excedente em novas inversões, e que tem como resultado a expansão também incessante da unidade produtiva que se trata. Essa unidade pode ser até uma sociedade inteira.” (Echeverria).

Durante duas décadas o desenvolvimento continuou sendo quase um sinônimo de crescimento e o PIB agregado e sobretudo, o PIB per capta, foi a medida corrente do nível de desenvolvimento. Isto contribuiu a consolidar o domínio profissional dos economistas no tema de desenvolvimento, algo que gerou um ciclo virtuoso de reducionismo econômico, que pouco ajudou a entender a verdadeira natureza do fenômeno e a desenhar formas eficazes de intervenção promotora.

O economista britânico Dudley Seers (1970) provocou no final dos anos sessenta uma verdadeira revolução em matéria de desenvolvimento com seu conhecido artigo acerca do significado de desenvolvimento.

Segundo Seers, o ponto de partida de uma discussão acerca do desenvolvimento é reconhecer que “desenvolvimento” é um conceito normativo, livre de juízos de valor.

Seers, fortemente inspirado no pensamento de Gandhi, sustenta que devemos perguntar a nós mesmos acerca das condições necessárias para a realização do potencial da personalidade humana, algo comumente aceito como objetivo. A partir desta pergunta, Seers, aponta a alimentação, como uma necessidade absoluta. Uma segunda condição básica para o desenvolvimento pessoal é o emprego, e a terceira é a igualdade entendida como equilíbrio.

“A questão para ser perguntada sobre o desenvolvimento de um país é a seguinte: o que tem acontecido com a pobreza? O que tem acontecido com o desemprego? O que tem acontecido com a desigualdade? Se todas as três declinaram de altos níveis, então se têm um período de desenvolvimento ao referente país.”

Seria necessário esperar outras décadas para que o PNUD, inspirado particularmente nas ideias de Amartya Sen, introduzisse uma nova concepção e uma nova forma de medir o desenvolvimento através do conceito de um Índice de Desenvolvimento Humano.

“O desenvolvimento humano pode se descobrir como um processo de ampliação das opções das pessoas… Mas apesar das necessidades, as pessoas valorizam demais benefícios que são menos materiais. Entre eles figuram, por exemplo, a liberdade de movimento e de expressão e a ausência de opressão, violência e de exploração. As pessoas querem demais ter um sentido de propósito na vida, além de um sentido de potencialização. Entre os membros de famílias e comunidades, as pessoas valorizam a coesão social e o direito de afirmar suas tradições e cultura própria.”

(...) reúne-se apenas três componentes de Desenvolvimento Humano: qualidade de vida, longevidade e nível de conhecimento.

No caso da saúde, se mede a esperança de vida ao nascer. Na área de educação atualmente se usa como variável a média de anos de escolaridade de pessoas de mais de 25 anos. Finalmente o Índice considera a disponibilidade de recursos econômicos medida a partir do poder aquisitivo sobre a base do PIB per capta ajustado pelo custo de vida.

Em meados dos anos noventa, o Secretário Geral da ONU define cinco dimensões de desenvolvimento, levando definitivamente este conceito ao plano tangível e abrindo então a porta a profissionais provenientes de disciplinas distintas da economia em seu trabalho sobre desenvolvimento. Sociólogos, cientistas políticos, psicólogos, historiadores, ecologistas, antropólogos e profissionais da cultura encontram agora novos espaços de trabalho. A inter e multidisciplinariedade começam a abrir caminho.

As dimensões introduzidas por Boutros-Gali são:

1)    Paz como a fundação.
2)    A economia como motor do progresso.
3)    O ambiente como a base da sustentabilidade.
4)    Justiça como o pilhar da sociedade.
5)    Democracia como boa governança.

Falando sobre subjetividade social e desenvolvimento humano, Guell (1998) afirma com muita segurança que:

“Um desenvolvimento que não promove e fortalece confianças, reconhecimentos e sentidos coletivos, carece em curto prazo de uma sociedade que o sustente. Então a viabilidade de êxito de um programa de desenvolvimento dependerá do grau em que as pessoas percebem esse programa como um cenário em que sua subjetividade coletiva é reconhecida e fortalecida.”

O desenvolvimento é a utopia social por excelência. Em um sentido metafórico é um paraíso perdido da humanidade, nunca alcançado nem recuperado devido a sua natureza assintótica de realização. Na prática, é um breve reconto da sua história mais contemporânea assim como se prova, cada vez que um grupo social se aproxima de sua própria ideia de estado de desenvolvimento, imediatamente suas metas são quantitativas ou qualitativas.

Assim se assiste a uma verdadeira proliferação de “desenvolvimentos”: territorial, regional, local, endógeno, sustentável, humano e, em termos de dinâmica, desenvolvimento de “bottom up” e outros mais. Inclusive se observa no mais puro estilo cartesiano, a especialização funcional de instituições acadêmicas e políticas, umas ocupadas desta ou de outra categoria, como se fossem independentes.

1 - Desenvolvimento territorial. A mais ampla concepção de desenvolvimento é a de desenvolvimento territorial. Aqui se trata de um conceito associado à ideia de continente e conteúdo.

Assim, a expressão “desenvolvimento territorial” se refere a escala geográfica de um processo e não a sua substância. É uma escala contínua, em que se é possível reconhecer os seguintes cortes: mundo, continente, país, região, estado ou província ou departamento, comum, e em certos casos, bairros ou outras categorias menores.

2 - Desenvolvimento regional. O desenvolvimento regional consiste em um processo de câmbio estrutural localizado que se associa a um permanente processo de progresso da própria região, da comunidade ou sociedade em que se habita e cada indivíduo membro da comunidade e habitante de tal território. Observa-se a complementariedade desta definição ao combinar três dimensões: uma dimensão espacial, uma dimensão social e uma dimensão individual.

O que é uma região?

Região é um território organizado que contém, em termos reais ou em termos potenciais, os fatores de seu próprio desenvolvimento, com total independência de escala.

3 - Desenvolvimento local.

Buarque (1999; 23/25) é um dos especialistas que se atreve a definir o desenvolvimento local. Algumas de suas proposições são as seguintes:

“Desenvolvimento local é um processo endógeno registrado em pequenas unidades territoriais e agrupamentos humanos capaz de promover o dinamismo econômico e a melhoria da qualidade de vida da população.”

O conceito genérico de desenvolvimento local pode ser aplicado para diferentes cortes territoriais e aglomerados humanos de pequena escala, desde a comunidade (...) até o município ou mesmo microrregiões homogêneas de porte reduzido.

“O desenvolvimento local dentro da globalização é uma resultante direta da capacidade dos atores e da sociedade locais se estruturarem e se mobilizarem, com base nas suas potencialidades e na sua matriz cultural, para definir e explorar suas prioridades e especificidades, buscando a competitividade num contexto de rápidas e profundas transformações.”

Borja e Castells (1997) indicam que o global e o local são complementares.

Qual é a diferença entre o local e regional? A diferença entre os dois conceitos reside em uma dupla questão escalar. Trata-se de uma escala territorial e uma escala funcional.

Outra importante diferenciação entre o local e o regional reside na importância relativa dos atores individuais e corporativos (ou institucionais) em ambos os casos. Se espera, razoavelmente, que um território “local” seja um território proxêmico no qual as relações interpessoais, os contatos “cara a cara” e as tradições familiares e sociais sejam de maior importância que as relações impessoais mediadas por instituições e que as tradições sejam menos importantes que o quadro jurídico.

Desenvolvimento endógeno.

O desenvolvimento deve ser considerado como mais endógeno, devido a sua estreita associação com a cultura local e com os valores que ela inclui.

Mais preciso é Boisier (1993), que argumenta que “A endogeneidade do desenvolvimento regional deve ser entendida como um fenômeno que se apresenta em pelo menos quatro planos que se cortam, se cruzam entre si.”

Primeiro, a endogeneidade se refere ou se manifesta no plano político, no qual se identifica como uma crescente capacidade regional para tomar as decisões relevantes em relação a diferentes opções de desenvolvimento, diferentes estilos de desenvolvimento e em relação ao uso de instrumentos correspondentes, ou seja, a capacidade de desenhar e executar políticas de desenvolvimento, e sobretudo, a capacidade de negociar.

Em segundo lugar, a endogeneidade se manifesta no plano econômico, e se refere, neste caso, à apropriação e reinvestimento regional de parte do excedente a fim de diversificar a economia regional, dando ao mesmo tempo uma base permanente de sustentação ao longo prazo.

Em terceiro lugar, a endogeneidade é também interpretada no plano científico e tecnológico. Em quarto lugar, a endogeneidade se planta no plano da cultura, como uma espécie de matriz geradora da identidade sócio territorial.

Desenvolvimento descentralizado.

Deve-se dizer, para começar, que a descentralização é um conceito que se implanta em três dimensões: a funcional, a territorial e a política. Em qualquer caso, descentralizar sempre implica em uma redistribuição de poder e normalmente significa criar instituições que tem como características básicas contar com uma personalidade jurídica independente de outras figuras jurídicas (como o Estado), com recursos ou orçamento próprios e com normas de funcionamento próprias.

A descentralização funcional leva à criação de organizações com as propriedades citadas no parágrafo anterior, mas com competências restritas a uma determinada atividade ou setor (como por exemplo, um Banco Estatal de Pecuária). A descentralização territorial também implica na criação ou reconhecimento de entidades com, novamente, as características mencionadas, porém com suas múltiplas competências restritas a um âmbito geográfico determinado (como é o caso dos atuais Governos Regionais no Chile). Finalmente, a descentralização política acrescenta o requisito de geração das competências através de eleições políticas democráticas (livres, secretas e informadas), como seria o caso dos governos autônomos das comunidades espanholas.

O desenvolvimento descentralizado supõe a configuração do território em questão como um sujeito coletivo com capacidade para construir seu próprio futuro. Sem dúvida, não é o território como recorte geográfico que pode operar como sujeito, e sim a comunidade que habita esse território na medida em que ela mesma se alimenta do regionalismo (regionalismo: um sentimento de identificação e pertencimento a um território, que é permanente no tempo e que permite suprimir interesses particulares em um interesse coletivo e que gera uma cultura de características particulares, que unifica o que há dentro e separa e distingue o que há fora) e na medida em que é capaz de dar a si mesma um projeto acordado de futuro comum para acomodar a diversidade.

Desenvolvimento de baixo para cima (bottom-up)

Neste contexto, os autores definem os seguintes elementos como componentes essenciais de estratégias de desenvolvimento “desde abajo”:
1)    O estabelecimento de um amplo acesso à terra e a outros recursos naturais do território, como fatores chaves de produção na maioria das áreas menos desenvolvidas do mundo;
2)    A introdução de novas estruturas de decisão organizadas territorialmente (ou a redefinição de antigas estruturas) para garantir a equidade na comunidade;
3)    A concessão de um nível mais elevado de autodeterminação às áreas rurais assim como a outras áreas periféricas para gerar uma instituição própria;
4)    A escolha de uma tecnologia “regionalmente adequada” orientada a economizar recursos escassos e a maximizar o uso dos recursos abundantes;
5)    Prioridade aos projetos que satisfazem necessidades básicas da população;
6)    Introdução de políticas de preços nacionais que favoreçam os termos de intercâmbio das regiões periféricas;
7)    Ajuda externa admissível como compensação dos efeitos de erosão causada por dependências prévias;
8)    O desenvolvimento de atividades produtivas que excedam a demanda regional somente se elas conduzem a uma ampla melhoria das condições de vida da população;
9)    Reestruturação dos sistemas de transporte e do sistema urbano para melhorar e deixar mais equitativo o acesso da população em todo o território;
10)  Melhoria do transporte e das comunicações rural-rural e rural-aldeia;
11)  Estruturas sociais igualitárias e consciência coletiva são, de acordo com os autores, elementos importantes para uma estratégia “de baixo para cima”.

Efetivamente, o crescimento econômico foi regulamentado por uma lógica funcional, a partir, ao que parece, da Revolução Industrial. Uma lógica que fez do setor industrial o setor motor do crescimento e, como toda vez que se escolhe um setor motor para estabelecer o crescimento, se faz necessário “ordenar” o espaço em que naturalmente tal setor se desenvolve.

Desde o ponto de vista do desenvolvimento, a dinâmica territorial tem sido completamente diferente, embora querer separar absolutamente ambos os processos seja um erro.

O ponto de partida está em reconhecer que o desenvolvimento - tal como se entende hoje em dia, não como sempre foi - é um processo que, requerendo uma base material, não oculta a sua natureza intangível, como se discutiu inicialmente. Tem-se argumentado que tais capitais intangíveis devem ser articulados, potencializados e direcionados por uma forma ainda mais elevada de capital intangível: o capital sinérgico latente existente em quase toda comunidade e definido como um potencial catalítico da sociedade, que permite promover ações em conjunto dirigidas a fins coletivos e democraticamente escolhidos com o conhecido resultado de obter , assim, um resultado final que é maior que a soma dos componentes. Argumenta-se também - e este é um ponto crucial - que tais capitais intangíveis e em particular, o capital sinérgico, se encontram mais facilmente em espaços sociais e territoriais pequenos, de natureza proxêmica, em que os contatos cara a cara, os costumes e as tradições são muito importantes.

Se estas proposições são corretas, então o desenvolvimento começa por ser um fenômeno local, de pequena escala, e certamente endógeno. Porém, para poder ser implantado como um processo endógeno já se sabe que se requer adquirir previamente a qualidade de descentralizado.

Então, a partir desse momento e desse ponto, o desenvolvimento começa a se expandir desde baixo, para cima e para os lados de acordo com um processo de capilaridade.

Vázquez-Barquero:

“A conclusão final é que ao menos durante a fase inicial do longo ciclo de expansão territorial dos processos de crescimento e desenvolvimento, o crescimento pode ser induzido desde cima e também desde baixo, porém o desenvolvimento se mostrará sempre como um processo local, endógeno, descentralizado, capilar e contínuo ou descontínuo sobre o território. Afinal de contas, os adjetivos de desenvolvimento são redundantes e tautológicos, já que só dizem o que o próprio conceito de desenvolvimento diz. São, no melhor dos casos, copulativos e não disjuntivos.

Não convém colocar expectativas superdimensionadas no desenvolvimento local; questões técnicas de escala e de complexidade podem funcionar como fortes “barreiras de entrada” ao desenvolvimento e insistir em operar com essa escala pode deixar a população (o sujeito, afinal) em uma espécie de limbo de desenvolvimento, entre o nada e o nada. Em matéria de desenvolvimento territorial, devemos aderir à Lei da Necessária Variedade de Ashby: níveis distintos de complexidade requerem escalas distintas e homólogas de intervenção.”

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